Faz um tempinho já que passei por uma saia justa profissional. Fui atender um cliente para um trabalho freelancer de assessoria de imprensa e, quando percebi, estava sendo devorada por um tubarão.
Como comunicóloga, sou treinada para perceber diferentes tipos de linguagem, tons, nuances, abordagens, discursos e tudo que o ser humano é capaz de direcionar pela comunicação. Seja ela verbal ou não verbal. Mas, como ser humano que sou, confesso que demorei para perceber o que estava se passando... E foi somente quando comecei a sentir o bafo quente e as pontas afiadas dos dentes no meu pescoço que fui me perceber como vítima daquele ataque.
De fato, com a lucidez que só se fez presente dez minutos depois de iniciada a conversa, o trabalho que eu fui preparada para discutir, nem tinha sido pauta. Eu estava passando por uma espécie de entrevista de emprego absurda, agressiva, incoerente e abusiva.
Ao perceber que daquela reunião de trabalho não iria receber nada de útil, decidi entrar no jogo do cidadão. Queria entender que tipo de pessoa ele achava que eu era. Uma moça bonitinha e burra? O rótulo que já estava exausta de conhecer?! Seria ele tão pouco criativo assim?
Me joguei na cadeira e larguei os ombros. Busquei um auto controle que os milhares de exercícios cênicos do curso de artes dramáticas me habilitavam e me fiz de demente.
Se eu sabia a diferença entre exceção e excesso? Soletrar? Se eu posso escrever? Meu Deus! Deu branco!
Se eu tenho facebook? Ativo, mas escondido. Claro que existe! Sim, tenho uma conta fantasma. Sim, acredito sim na importância das redes sociais, mas como profissional de comunicação entendo que essas redes são mais uma ferramenta de marketing do que qualquer outra coisa. Você não acha? Quer ver minha página do face? Claro, pois não. Na verdade demora porque ele é fechado. Sim, fechado, escondido. Só mais um pouquinho. Pronto, aqui está. Sim, é só isso mesmo. Não, não tem nada pessoal.
Se eu tenho instagram, sim. Mas a mesma coisa sobre conteúdo. Não, isso são fotos artísticas. Eu tenho o linkedin, quer ver? Não?! Ah, ta bem então. Uma pena, lá teria minhas referências e portfólio. Livros que eu li, que estou lendo. Séries de TV. Divorciada. Por qual motivo. Se tenho filhos. Idade. Se dá trabalho...
Sem dúvida alguma a regra era me deixar o máximo possível afastada de qualquer tipo de dignidade e cada vez mais enfiada na cadeira.
Toda aquela pauta só foi relevante para eu estudar o tipo de comunicóloga que eu queria e deveria ser. E, ainda, que tipo de empresa eu queria estar junto para trabalhar. Que raios de comunicólogo era aquele cara?! Ele? Já de cara sabia a resposta. Um tubarão. Eu? O extremo oposto. Um golfinho.
Percebi depois de afrouxar a saia e sair daquela agência que eu só queria saber de trabalhar com a comunicação não violenta e em ambientes corporativos mais sensatos e coerentes. Definitivamente, eu já colecionada muitos fios de cabelo branco pra me sujeitar a compactuar com dinâmicas organizacionais mal construídas e obsoletas. Essa experiência foi a minha primeira entrevista de emprego depois de quase dois anos fora do mercado. Eu fui na verdade preparada para uma reunião de trabalho freela que recebi de uma colega e, assim, num piscar de olhos, estava passando por uma entrevista das mais verozes que já experimentei na vida. Em quase duas décadas de profissão, considero esse o ponto mais importante que sacudiu - e mito - meu estilo pessoal de trabalhar.
Daquela reunião eu sai fortalecida e determinada a investigar a fundo minha parcela de responsabilidade dentro desses contextos midiáticos que fui questionada. Somos nós, comunicólogos, apenas técnicos de conteúdos, elaborados para serem lidos em redes virtuais, direcionando metricamente cada palavra e vírgula para vender uma idea?! Somos parte do jogo de marketing? Estamos contribuindo para que? Onde eu queria estar dentro desse turbilhão midiático, criativo e por vezes doentio? Haja sanidade pra trabalhar com comunicação hoje em dia. É fogo!
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